domingo, 5 de fevereiro de 2023

"Dois Monges" (Dos monges, 1934)


 

Um dos filmes mais legais que assisti nos primeiros dias desse ano foi o longa de estreia do mexicano Juan Bastillo Oro, chamado “Dois Monges” (Dos Monges, 1934).  O diretor Martin Scorsese, ao falar sobre o filme e sua versão restaurada para a edição da Criterion, o destaca como uma das obras do chamado ‘Cinema Gótico Mexicano’, juntamente com El Fantasma del Convento (1934), dirigido por Fernando de Fuentes, e El Misterio del Rostro Palido (1935) também dirigido por Oro. Assim como, é notável a influência expressionista no filme, tema discutido em uma série que encontrei no Youtube sobre cinema mexicano. Nela, o pesquisador Genaro Saul Reyes discute o cinema de Oro e evidencia “Dois Monges” como um filme que se destaca pelo uso dos elementos visuais para contar a história.
Pelas primeiras cenas do filme é possível pensar que estamos diante de uma história com elementos sobrenaturais. Os monges de um mosteiro sombrio rezam contra o diabo e a possível possessão de um dos que moram lá. Aos poucos, o que acontece com o monge Javier (Carlos Villatoro) são aflições bastante terrenas, que nos serão reveladas através de dois flashbacks. Nesse contexto, em que os monges acreditam na possessão de um deles, o monge Juan (Víctor Urruchúa) chega no mosteiro para ajudar na cura de Javier. Quando se encontram, Javier tenta matá-lo. A partir desse acontecimento, o responsável pela congregação conversa com os dois para entender o que aconteceu e descobre que os motivos em nada se relacionam com o sobrenatural.
Além de a história ser instigante, dois elementos me chamaram atenção no filme de Oro. Primeiro, a questão visual e sua influência expressionista. Nesse quesito, é possível destacar não somente o trabalho da iluminação e o uso do claro e escuro, mas como a câmera explora os personagens no cenário, também, o uso de ângulos inclinados, nos revelando a perturbação do personagem e também da própria situação. “Dois Monges” é muito eficaz em nos transmitir a frieza da vida monástica, em contraste com a vida que Javier tinha antes de estar ali. Iluminação, cenário e figurino bem utilizados em suas funções dramáticas nas histórias de Javier e Juan.
Nesse ponto, vale destacar o segundo fator que destaco, a maneira como a narrativa é estruturada, com a utilização de dois flashbacks, nos quais os personagens (Javier e Juan), relatam suas versões da história. Não conheço a história do cinema mexicano, mas, no caso de Hollywood, o flashback só se tornaria um recurso narrativo comum a partir da década de 1940. A maneira como esse recurso é utilizado em “Dois Monges” me fez pensar em “Rashomon” (1950), de Akira Kurosawa, e o filme mexicano, como pontuado por Scorsese no vídeo já mencionado, foi lançado muitos anos antes.
A cena que antecede o primeiro flashback apresenta o líder da congregação interpelando Javier para entender suas motivações. Ao conhecermos a sua história - um pianista que não tem muito dinheiro, mora com a mãe e se apaixona por uma jovem mulher - somos conduzidos a crer que a vinda de Juan (na época amigo íntimo de Javier) é o prenúncio de algo ruim. Num sentido o é, mas não pelos motivos que o flashback nos leva a pensar. Na memória de Javier, Juan muitas vezes é um espectro que assombra sua possibilidade de felicidade, sempre vestindo roupas escuras em contraponto a seu amigo. Já no primeiro flashback esse binarismo é construído com eficácia. No entanto, ele é invertido quando Juan tem a oportunidade de relatar sua própria versão dos fatos. Após assistirmos as duas versões o que fica claro é a tragédia que marcou a vida dos dois homens, que se refugiaram na vida monástica após os acontecimentos relatados. Ambos vivem vidas austeras, dedicados às atividades do mosteiro e sem nenhum envolvimento emocional com ninguém. 


Referências 

- O vídeo mencionado de Martin Scorsese foi lançado no Brasil como um extra no box “Obras Primas do Terror: Horror Mexicano Vol. 2” da distribuidora Versátil Home Video;

- A discussão sobre o uso do flashback como recurso narrativo no cinema estadunidense dos anos 1940 foi debatido no livro Reinventing Hollywood: How 1940s Filmmakers Changed Movie Storytelling (lançado em 2017) de David Bordwell. O autor também relata em sua pesquisa que na década de 1930 era um recurso raramente utilizado e relegado a filmes B;

- o texto “Terror em Terra Quente: fragmentos da América Latina”, escrito por Carlos Alberto Carrilho, para um panorama sobre o terror na AL em países como México, Argentina e Brasil;

- Sobre Juan Bastillo Oro (episódios de uma série sobre história do cinema mexicano):

Parte 1;

Parte 2;

Parte 3;

Parte 4;



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