A diretora espanhola Carla Simón se propõe
a um exercício instigante em seu curta Carta A Mi Madre Para Mi Hijo. Quando
foi convidada pela marca Miu Miu a participar do projeto Women’s Tale,
ela tinha acabado de finalizar seu longa Alcarràs (2022). Por estar
grávida no período, pensou em criar algo para seu filho, falando de sua mãe,
com quem pouco conviveu. Sendo assim, Simón decide escrever uma carta
audiovisual para sua mãe, falecida quando ela tinha seis anos, compondo filmagens
atuais de sua gravidez e das pessoas/familiares que a cercam, assim como uma
narrativa ficcional do que teria sido a vida de sua mãe.
Esse filme me fez pensar em como
podemos lidar quando existe o desejo de falar sobre nosso passado, nossa
história familiar, e nos deparamos com muitas lacunas e silêncios. Em uma
entrevista, Simón declara que seu filme foi um exercício para recuperar uma
memória pessoal inexistente e que encontrou no cinema o poder de restaurar o
que estava perdido. Essas afirmações são interessantes, pois nos colocam
algumas perguntas sobre o que significa trabalhar com o “vazio”, que no caso da
diretora, se relaciona com o fato de seus pais terem sucumbido à AIDS. Ela
comenta sobre o tabu do assunto e que devido a isso pouco soube sobre a vida
adulta de sua mãe.
A maneira como lidamos com as lacunas
depende muito do propósito que rege o que queremos fazer. No caso de Simón, elaborando
uma produção artística, ela utiliza a liberdade imaginativa. A artista dedica
sua produção à elaboração de uma narrativa sobre sua mãe e de algum modo também
vai ao encontro de um passado nebuloso, uma herança de silêncios que não queria
deixar para o seu filho. A diretora entende a importância das histórias
familiares para a construção das identidades, para identificarmos quem somos e
de onde viemos.
O que me intrigou no curta de Simón é o
modo como conta a história e cria uma carta audiovisual. E isso passa
diretamente pelas suas escolhas de como filmar as sequências do curta, as filmagens
de sua família ainda viva são realizadas com Super 8, as sequências imaginadas
sobre a história de sua mãe, em digital. As escolhas têm consequências na
qualidade da imagem (e aqui não me refiro a bom ou ruim) e em como elas nos
ajudam a pensar sobre os temas discutidos.
O Super 8 foi por muito tempo a tecnologia
escolhida para registrar os momentos familiares. É possível, que ao nos
depararmos com tais imagens, estabeleceremos relações com a memória e o passado, sejam
momentos felizes ou não. Acredito ser indiscutível o fato de que a maioria das
famílias decidiam filmar momentos de alegria, seja aniversário, natal ou outras
celebrações. No caso do filme de Simón, o Super 8 é utilizado para filmar
imagens que são atuais para ela, mas não serão para seu filho. Para mim, elas ficam
impregnadas de uma camada de memória afetiva
Still do curta Carta A Mi Madre Para Mi Hijo |
Creo que hago cine para poder inventarte e inventarme. O puede que lo hago porque no quiero morir. Essa frase aparece no filme de Simón e nos coloca questões importantes sobre o ato da criação e como a artista concebe o fazer artístico e sua relação com a vida. Como coloca no final da frase, o cinema pode ser uma forma de eternizar uma pessoa ou todas aquelas que se envolvem na produção.Tal característica também está presente nos filmes de família. Quando assistimos esses curtos registros do passado, a sensação de que aquelas pessoas se encontram presentes de alguma forma é quase tangível. Me parece que independente da obra a presença/ausência é parte integrante do cinema.
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