No ano passado assisti alguns filmes do
diretor alemão Christian Petzold. Um deles foi Jerichow, de 2008. Este filme é uma adaptação do romance The Postman Always Rings Twice, do autor
estadunidense James Cain. Ele me fez pensar, dentre outras coisas, no contínuo
interesse por esse livro, de 1934. O filme de Petzold faz parte de muitas
adaptações, inclusive europeias. Apesar de algumas mudanças na história, os
personagens envolvidos no triângulo amoroso e os principais temas da obra
permanecem o mesmo. A adaptação de 2008
faz escolhas interessantes para não responder a todas as perguntas, o que também
acontece em outros filmes do diretor. Isso amplia, na minha percepção, a
atmosfera de mistério, contribuindo para que o filme seja instigante, além de
elementos visuais e do próprio elenco, que são excelentes.
A primeira adaptação do romance de
Cain foi feita na Europa e somente em 1946 ganhou uma adaptação nos Estados
Unidos. O livro de Cain, lançado em 1934, foi sucesso de público e logo teve
seus direitos comprados por Hollywood, no entanto, seu conteúdo foi considerado
excessivo para os padrões morais do Código de Produção, vigente desde 1934. Segundo
Robert Sklar (1992), em seu livro City
Boys, uma das primeiras ações de Joseph Breen, em 1934, como diretor da Production Code Administration (que
controlava a aplicação do Código de Produção ou Código Hays), foi impedir
possibilidades do romance ganhar uma adaptação para o cinema. A MGM adquiriu os
direitos por 25 mil dólares e esperou 10 anos para realizar o filme.
A primeira adaptação do livro foi dirigida
pelo francês Pierre Chenal, intitulada “Paixão Criminosa” (Ler Dernier Tournant, 1939). Quatro anos depois o livro ganhou
outra adaptação, dirigida pelo italiano Luchino Visconti, intitulada
“Obssessão” (Ossessione, 1943). Ambas
as versões não foram autorizadas, segundo Robert Sklar (1992). Nos Estados
Unidos, a primeira é a dirigida por Tay Garnett, em 1946, com o mesmo nome do
livro. Em 1981 o livro ganhou outra adaptação nos Estados Unidos, dirigida por
Bob Rafaelson, com Jack Nicholson e Jessica Lange nos papeis principais. Pesquisando
sobre as adaptações descobri que existe também uma versão húngara, lançada em
1998, chamada Szenvedély, do diretor
György Fehér.
A versão de Garnett pela MGM foi
precedida nos EUA por duas adaptações de outros livros de Cain, em diferentes
estúdios. “Pacto Sinistro” (Double Indemnity, 1944) pela Paramount e
Mildred Pierce (1945) pela Warner
Bros. Assim
como demorou dez anos para que a MGM filmasse o livro em função do Código de
Produção, a Paramount demorou oito anos para filmar “Pacto Sinistro” pelos
mesmos motivos, mesmo tendo os direitos desde 1935 (MAYER, 2013).
Em relação à “Pacto Sinistro”, James Cain seria
o roteirista, porém, ele estava contratado por outro estúdio e não pode participar
da produção. O escritor Raymond Chandler foi chamado e escreveu o filme
juntamente com Wilder, que também o dirigiu (NAREMORE, 2008). Os dois romances
têm elementos similares, como os temas explorados: traição, desejo, ganância, e
o que os personagens estão dispostos a fazer para ter o que desejam. Nos dois
casos, como uma boa história noir,
esses desejos não se realizam. Iniciamos as duas histórias sabendo que tudo vai
dar errado, mas a narrativa está mais interessada em nos mostrar como esses
personagens chegaram a tal ponto, e não quem é o culpado de tal crime (pois
esta resposta já sabemos).
O filme “O Destino Bate sua Porta”, de
1946, roteirizado por Harry Ruskin e Niven Busch, conta a história de Frank
Chambers (John Garfield) um andarilho que encontra um refúgio temporário em um
bar de estrada, cujos donos são Nick Smith (Cecil Kellaway) e sua esposa Cora
Smith (Lana Turner). Ao longo da história, Frank e Cora se apaixonam e planejam
o assassinato de Nick. Comparado às outras duas adaptações de Hollywood
mencionadas, considero esse o filme mais fraco. Na minha opinião, sua força
principal reside nas atuações de Garfield e Turner e a química entre os dois.
Em 1945, o ator John Garfield, ainda contratado
pela Warner, foi emprestado para a MGM para fazer dois filmes, o primeiro a
adaptação do livro de Cain (SKLAR, 1992). Ele é um dos meus atores preferidos do
período. Sua carreira no cinema começou na década de 1930 e terminou
abruptamente com sua morte aos 39 anos, em 1952. Garfield ficou marcado por
papéis em filmes de crime e noir, nos
quais interpretava o cara durão, que provavelmente encontraria o pior dos
destinos no final da história. Ainda
tenho várias lacunas para preencher de sua filmografia, mas gostaria de destacar
duas das minhas atuações preferidas do ator, em “Corpo e Alma” (Body and Soul, 1947), dirigido por
Robert Rossen, e “Força do Mal” (Force of
Evil, 1948), dirigido por Abraham Polonsky.
Lana Turner é uma atriz que conheço pouco,
mas sua versão de Cora Smith é marcante. O filme de Tay Garnett foi lançado no
mesmo ano de outros filmes com femme
fatales icônicas do cinema noir,
como “Gilda”, com Rita Hayworth, “À Beira do Abismo”, com Lauren Bacall, e “O
Tempo Não Apaga”, com Barbara Stanwyck. Em um vídeo do canal Be Kind Rewind, sobre a categoria Melhor
Atriz no Oscar de 1947, ano em que Olivia de Havilland foi a vencedora, a autora do canal menciona o fato de que nenhuma dessas atuações foram nem
indicadas ao Oscar, mesmo que possivelmente merecedoras, e que existia um certo
preconceito com os filmes mencionados acima, sendo
os melodramas mais considerados pela academia. E como ela pontua no vídeo, é preciso considerar o tipo de personagem que essas atrizes estavam interpretando nos filmes mencionados e quais estavam sendo celebrados.
A comparação entre essas várias adaptações
em culturas e contextos histórias diferentes é um tema para outro texto, porém,
me parece instigante, ainda mais conectando a esse contínuo interesse por esse
livro de 1934. Acho fascinantes os diferentes lugares que uma história pode
alcançar, correspondendo a expectativas e anseios diversos, mas, antes de tudo,
refletindo uma conexão que sentimos ao ler um bom livro e ver um bom filme.
Referências:
Mayer,
Geoff. Film Noir and Studio Production Practices In SPICER, Andrew; HANSON,
Helen (edited by). A Companion
to Film Noir. Sussex: Wiley Blackwell, 2013.
NAREMORE,
James. More Than Night: Film Noir in
its contexts. University
of California Press: Berkeley, Los Angeles,
Londres, 2008.
SKLAR,
Robert. City Boys:
Cagney, Bogart, Garfield. New Jersey:
Princeton University Press, 1992
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