terça-feira, 23 de maio de 2023

Sobre algumas adaptações de James Cain para o cinema

No ano passado assisti alguns filmes do diretor alemão Christian Petzold. Um deles foi Jerichow, de 2008. Este filme é uma adaptação do romance The Postman Always Rings Twice, do autor estadunidense James Cain. Ele me fez pensar, dentre outras coisas, no contínuo interesse por esse livro, de 1934. O filme de Petzold faz parte de muitas adaptações, inclusive europeias. Apesar de algumas mudanças na história, os personagens envolvidos no triângulo amoroso e os principais temas da obra permanecem o mesmo.  A adaptação de 2008 faz escolhas interessantes para não responder a todas as perguntas, o que também acontece em outros filmes do diretor. Isso amplia, na minha percepção, a atmosfera de mistério, contribuindo para que o filme seja instigante, além de elementos visuais e do próprio elenco, que são excelentes. 

         A primeira adaptação do romance de Cain foi feita na Europa e somente em 1946 ganhou uma adaptação nos Estados Unidos. O livro de Cain, lançado em 1934, foi sucesso de público e logo teve seus direitos comprados por Hollywood, no entanto, seu conteúdo foi considerado excessivo para os padrões morais do Código de Produção, vigente desde 1934. Segundo Robert Sklar (1992), em seu livro City Boys, uma das primeiras ações de Joseph Breen, em 1934, como diretor da Production Code Administration (que controlava a aplicação do Código de Produção ou Código Hays), foi impedir possibilidades do romance ganhar uma adaptação para o cinema. A MGM adquiriu os direitos por 25 mil dólares e esperou 10 anos para realizar o filme.    
       A primeira adaptação do livro foi dirigida pelo francês Pierre Chenal, intitulada “Paixão Criminosa” (Ler Dernier Tournant, 1939). Quatro anos depois o livro ganhou outra adaptação, dirigida pelo italiano Luchino Visconti, intitulada “Obssessão” (Ossessione, 1943). Ambas as versões não foram autorizadas, segundo Robert Sklar (1992). Nos Estados Unidos, a primeira é a dirigida por Tay Garnett, em 1946, com o mesmo nome do livro. Em 1981 o livro ganhou outra adaptação nos Estados Unidos, dirigida por Bob Rafaelson, com Jack Nicholson e Jessica Lange nos papeis principais. Pesquisando sobre as adaptações descobri que existe também uma versão húngara, lançada em 1998, chamada Szenvedély, do diretor György Fehér.
           A versão de Garnett pela MGM foi precedida nos EUA por duas adaptações de outros livros de Cain, em diferentes estúdios. “Pacto Sinistro” (Double Indemnity, 1944) pela Paramount e Mildred Pierce (1945) pela Warner Bros. Assim como demorou dez anos para que a MGM filmasse o livro em função do Código de Produção, a Paramount demorou oito anos para filmar “Pacto Sinistro” pelos mesmos motivos, mesmo tendo os direitos desde 1935 (MAYER, 2013).    
         Em relação à “Pacto Sinistro”, James Cain seria o roteirista, porém, ele estava contratado por outro estúdio e não pode participar da produção. O escritor Raymond Chandler foi chamado e escreveu o filme juntamente com Wilder, que também o dirigiu (NAREMORE, 2008). Os dois romances têm elementos similares, como os temas explorados: traição, desejo, ganância, e o que os personagens estão dispostos a fazer para ter o que desejam. Nos dois casos, como uma boa história noir, esses desejos não se realizam. Iniciamos as duas histórias sabendo que tudo vai dar errado, mas a narrativa está mais interessada em nos mostrar como esses personagens chegaram a tal ponto, e não quem é o culpado de tal crime (pois esta resposta já sabemos).
           O filme “O Destino Bate sua Porta”, de 1946, roteirizado por Harry Ruskin e Niven Busch, conta a história de Frank Chambers (John Garfield) um andarilho que encontra um refúgio temporário em um bar de estrada, cujos donos são Nick Smith (Cecil Kellaway) e sua esposa Cora Smith (Lana Turner). Ao longo da história, Frank e Cora se apaixonam e planejam o assassinato de Nick. Comparado às outras duas adaptações de Hollywood mencionadas, considero esse o filme mais fraco. Na minha opinião, sua força principal reside nas atuações de Garfield e Turner e a química entre os dois.
Em 1945, o ator John Garfield, ainda contratado pela Warner, foi emprestado para a MGM para fazer dois filmes, o primeiro a adaptação do livro de Cain (SKLAR, 1992). Ele é um dos meus atores preferidos do período. Sua carreira no cinema começou na década de 1930 e terminou abruptamente com sua morte aos 39 anos, em 1952. Garfield ficou marcado por papéis em filmes de crime e noir, nos quais interpretava o cara durão, que provavelmente encontraria o pior dos destinos no final da história.  Ainda tenho várias lacunas para preencher de sua filmografia, mas gostaria de destacar duas das minhas atuações preferidas do ator, em “Corpo e Alma” (Body and Soul, 1947), dirigido por Robert Rossen, e “Força do Mal” (Force of Evil, 1948), dirigido por Abraham Polonsky.
Lana Turner é uma atriz que conheço pouco, mas sua versão de Cora Smith é marcante. O filme de Tay Garnett foi lançado no mesmo ano de outros filmes com femme fatales icônicas do cinema noir, como “Gilda”, com Rita Hayworth, “À Beira do Abismo”, com Lauren Bacall, e “O Tempo Não Apaga”, com Barbara Stanwyck. Em um vídeo do canal Be Kind Rewind, sobre a categoria Melhor Atriz no Oscar de 1947, ano em que Olivia de Havilland foi a vencedora, a autora do canal menciona o fato de que nenhuma dessas atuações foram nem indicadas ao Oscar, mesmo que possivelmente merecedoras, e que existia um certo preconceito com os filmes mencionados acima, sendo os melodramas mais considerados pela academia. E como ela pontua no vídeo, é preciso considerar o tipo de personagem que essas atrizes estavam interpretando nos filmes mencionados e quais estavam sendo celebrados. 
A comparação entre essas várias adaptações em culturas e contextos histórias diferentes é um tema para outro texto, porém, me parece instigante, ainda mais conectando a esse contínuo interesse por esse livro de 1934. Acho fascinantes os diferentes lugares que uma história pode alcançar, correspondendo a expectativas e anseios diversos, mas, antes de tudo, refletindo uma conexão que sentimos ao ler um bom livro e ver um bom filme. 


Referências:

Mayer, Geoff. Film Noir and Studio Production Practices In SPICER, Andrew; HANSON, Helen (edited by). A Companion to Film Noir. Sussex: Wiley Blackwell, 2013.

NAREMORE, James. More Than Night: Film Noir in its contexts. University of California Press: Berkeley, Los Angeles, Londres, 2008.

SKLAR, Robert. City Boys: Cagney, Bogart, Garfield. New Jersey: Princeton University Press, 1992


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